16 de novembro de 2014

'Vocês são os que não comem carne, né?' e o gado com fones de ouvido

por Marcio de Almeida Bueno

Na verdade, o abate é tão somente uma das faces da escravidão animal – de forma diferente, podemos citar os cavalos de carroça, os coelhos em laboratórios de testes de produtos, o touro na tourada, o macaco no zoológico, a lagosta viva no restaurante chique, os cachorros nas fazendas chinesas, a lista é quase infinita. Quer dizer, há o abate final após uma vida de não-liberdade, e há a vida inteira de tortura, sem a bênção da morte como fim do terror. Se bem que, por exemplo, os cavalinhos de carroça são estourados a vida toda, e na finaleta alguns acabam no abatedouro, diferente de seus iguais que capotaram no asfalto e espumaram pela boca até a chegada do toque piedoso da senhora Morte.

Então o cidadão médio nivela a coisa como ‘não comem carne, né?’, pelo máximo de excentricidade que consegue vislumbrar – um abstêmio, como já ouvi certa vez. Pensar naquilo que não lhe traz um ganho imediato, e sempre para si, está fora de cogitação, pois desde o parar de fumar até a reza aos domingos, é sempre para benefício pessoal, em última análise.

Mas há uma realidade por trás do glamour aparente, desta opção não-escolhida que a maioria segue entoando tal como não escolheu o time de futebol para o qual torce, mesmo que grite e pule a cada jogo assistido. E a grande massa pensa, por ignorância ou remorso, que tudo é como no sítio da Vovó Donalda, com animais felizes e de estimação. Uma rápida análise das embalagens dos produtos em supermercado nos faz pensar que os animais voluntariamente dão sua vida pela carne servida aos humanos, a galinha cordialmente se esforça para dar os ovos aos humanos, o porco aparece com chapéuzinho de cozinheiro, etc. Sempre para os humanos, jamais seus corpos-ingredientes são gentilmente cedidos às feras, aos predadores naturais – os tão citados carnívoros! – ou a quem, vá lá, esteja moribundo e morrendo de fome. Sempre ao dono-patrão-proprietário-’tutor’-patriarca-humano.

Aquela visão bucólica da pecuária, onde sempre parece que o gado está de fones de ouvido, praticamente meditando.

E os processos industriais ou da agricultura familiar não entram nesse cálculo, porque para quem morre ou dá seus anos de vida em troca de alimento diário, tanto faz se o algoz é de uma família quatrocentona latifundiária oligárquica ou é pobre, sem-terra. Há quem fique chocado ao ver uma castração a frio – ‘tradição’ cívica em regiões do RS – que ocorre sempre longe dos flashes da mídia comprometida em lamber as botas do patronato rural. Mas quem faz a castração a faca, faz de forma automática, com cigarro no canto da boca, já esquentando o fogareiro rústico para apreciar as bolas de touro, “que se abrem como couve-flor, quando está no ponto”, como já escutei.

Quem martela o gongo do antiespecismo pretende descolar as pálpebras da pessoa ao lado, largar uma bolinha de ping-pong nas ideias, com vistas não a um ganho seu, mas ao que percebe como justo. Talvez isso é o que provoque tantas reações contrárias e narizes torcidos, em um mundo onde quem não leva algum, está por fora.

E qualquer informação desagradável, imagem chocante, nada mais é que o mundo real, o expediente diário de quem decide a utilização deste ou daquele animal para seu lucro, ou para o lucro de seu patrão. Entretanto, a imagem desagradável do macaco no laboratório é fruto de quem acha que os animais estão aí para nos servir, a imagem desgradável do porco pendurado em ganchos é fruto de quem acha que os animais estão aí para nos servir de alimento, ‘e todo esforço é necessário, afinal de contas’. o antiespecismo aponta essa injustiça e propõe uma vida fora do que a ‘tradição’ manda.

Não se separa a atitude em gavetinhas etiquetadas, compartimentando as pessoas conforme os conceitos até então aprendidos – e que diariamente se provam errados. Não comer carne é ‘um pequeno passo para o homem’ etc. Mas é uma ação para abrir as demais portas, que como as pálpebras estavam seladas pelo bom-mocismo das ideias, pelo medo de parecer idiota.

À venda em nossa eshop:

LIvro Havana 63, de Cesar Dorfman, edição de  luxo de 2013  da Movimento, 330 páginas, formato maior, ilustrado, novo, ótimo estado de conservação, veja fotos.

A obra é resultado de quatro anos de buscas, pesquisas e reencontros que tentam remontar a história vivenciada pelo autor e outros 400 estudantes de arquitetura que participaram do Encontro Internacional de Professores e Estudantes e do VII Congresso da União Internacional de Arquitetos de Havana, em Cuba, em 1963. Algumas das histórias retratadas na viagem são encontros com um dos principais ideólogos e comandantes da Revolução Cubana, Che Guevara, e com Fidel Castro, também revolucionário comunista cubano e primeiro presidente do Conselho de Estado da República de Cuba. Dorfman também aborda as consequências nas vidas dos participantes dos eventos em Cuba após a instalação das ditaduras militares nos países sul-americanos. Cesar Dorfman é arquiteto formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1964. Nestes quase cinquenta anos de profissão, acumulou um notável currículo de projetos construídos e publicados, tendo na última década conquistado quatorze prêmios em Concursos Nacionais de Anteprojetos e recebido espaço especial na VII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. De 1976 a 2010, trabalhou como professor da UFRGS. O produto pode ser comprado em http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-602324478-havana-63-cesar-dorfman-cuba-che-guevara-fidel-unio-arquite-_JM#eshop_DIRETODEPORTOALEGRE.


Arte urbana na Independência


Santa Casa com mais cor

No paredão do Complexo da Santa Casa, à beira do viaduto sobre a João Pessoa / Salgado Filho, uma colorida ilustração celebrou o Outubro Rosa.


Já fui cartunista



Desde a infância, desenhei bastante. Na pré-adolescência, passei a formatar melhor, fazer charges políticas, e tentar caprichar mais no traço. Na virada dos anos 90, tive o prazer de ter um desenho publicado na revista Níquel Náusea, do cartunista Fenrnando Gonzales. Meses depois, saíram três outros na Geraldão, do saudoso Glauco. Dias atrás, achei um exemplar à venda e comprei para fins de arquivo. Reproduzo abaixo a capa da edição e o melhor dos três cartuns então publicados. Eu tinha 14 ou 15 anos.