19 de junho de 2015

G.G. Allin, a primeira emenda e a lei

 Por Joe Coughlin / traduzido por Marcio de Almeida Bueno

Toda geração parece ter um artista cujo comportamento é tão fora do convencional que ele acaba sendo perseguido pela polícia toda vez que se apresenta. Muitas vezes essas pessoas apenas estão à frente de sua época, e à medida que o tempo passa o que era considerado chocante torna-se comum. Nos anos 60 o comediante Lenny Bruce utilizava palavreado chulo para fazer importantes observações sociológicas e humorísticas. Atualmente Eddie Murphy e outros constróem suas carreiras usando esses mesmos palavrões, ditos com muito mais frequência. Jim Morrison foi preso algumas vezes por ter baixado as calças no palco. Apenas a ameaça em fazê-lo novamente era suficiente para para a polícia interromper o show. Atualmente Madonna faz de sua nudez em público marketing para venda de discos. O vício em cocaína de David Crosby (Crosby, Stills, Nash & Young) deixou-o fora de controle nos anos 80 e ele foi preso por sair em público carregando uma arma. Agora que está sóbrio, foi esquecido, embora achemos que ele ainda anda armado. A sociedade sempre escolheu a quem perseguir e a quem ignorar. Não há dúvida que GG Allin está certamente na lista negra dos anos 90.

Primeiramente, é difíl acreditar que Allin seja real. É mais difícil ainda crer que ele tenha fãs de carteirinha assim como Jim Morrison e David Crosby têm. Várias revistas publicaram matérias dizendo que Allin não existe e foram obrigadas a voltar atrás quando receberam fotos e vídeos dos shows. GG Allin choca por violar as normas da sociedade e não aceitar pedir perdão. Nem mesmo quando está em um tribunal, encarando uma sentença de prisão. Sua lenda está envolta em uma nebulosa, o que descobri após discutir o caso com amigos, conhecidos e até editores. Estava contente de poder conhecer toda sua história contada pelo próprio protagonista. Entretanto, decidi por não incluir os palavrões de Allin (que os fãs vão notar a falta) na esperança de que milhares de pessoas comuns tenham acesso às suas idéias. Muitos talvez nem devam ler. Em alguns momentos substituí suas palavras e outras aparecem com asteriscos.

Se o rock'n'roll é, como sugerem os puristas, a música do niilismo, então GG Allin é a sua prova viva - ou eu deveria dizer morta? Desde o final dos anos 70, Allin tem perseguido sua guerra solitária contra os valores sociais apoiado por bandas como The Jabbers (os faladores), Scumfucs (escória), Texas Nazis (nazistas texanos), Cedar Streets Sluts (prostitutas de rua), Drug Whores (putas drogadas), Sewer Scum (gentalha do esgoto), Afterbirth (placenta e membranas quem são expulsas após o parto - eca!), Psycho (psicótico), Disappointments (fracassos ou geradores de desapontamento), AIDS Brigade (brigada da aids), Bulge (inchaço), Toilet Rockers (roqueiros do banheiro) etc, e mais recentemente (com seu irmão e cúmplice Merle no contrabaixo) The Murder Junkies (viciados em matar). A música sempre foi barulhenta, tosca, catártica, porrada-na-cara; "punk", se você quiser, misturado com cantos fúnebres. Ainda que Allin fale de discos prontos para serem lançados, ele não irá dizer exatamente aonde.

O principal assunto de suas letras trata estritamente de sua própria realidade, deliberadamente horrorizante: isolamento, entorpecimento, depravação são o dia-a-dia da vida de Allin. Os títulos das músicas incluem "F****do o cachorro", "Agulha espetada no meu c*", "Sangue para você", "Beba, lute e f***" e "Exponha-se para crianças". Existem dúzias como estas, cada uma representando uma história real ou uma sincera crença filosófica. "Cigano filho-da-p***" é considerada a road song de GG Allin, com versos como "Minnesota vai à m****/ eu quebrei o seu crânio, f****-se/ seus bostas de Chicago tentaram me matar/ mas não conseguiram/ ... / eu me lembro de sua v*****/ c*zinho em Carolina/ vocês durões do Texas/ tentaram me esfaquear, sem chance/ ...". Pode-se considerar que nenhum outro artista teve sua vida e trabalho tão ligados um ao outro. Mas GG Allin pode ser considerado um artista? A sociedade diz não.

Suas quase religiosas apresentações ao vivo são as mais extremas na história da música, o que valheu-lhe o banimento de praticamente todo o lugar que já tocou, por enquanto. Nos últimos anos alguns corajosos donos de clubes e casas de shows arriscaram suas licenças, e sua propriedade, afim de ter Allin por uma segunda vez devido a seu fabuloso poder. Ah, sim, o cara possui muitos fãs, mesmo que seus shows incluam nudez, sangramento, defecar no palco (cujo resultado Allin costuma comer e/ou atirar no público), e ameaça real de agressão; a platéia entra em pânico, depois de tudo isso, e procura pela porta de saída. Mas a maior parte do sangue é mesmo de Allin, em cortes provocados por ele mesmo. Ele bate em seu rosto com os microfones ou enfia-os no ânus, quebra garrafas na cabeça e usa os cacos para se ferir, se atira em cima dos equipamentos. Algumas vezes algum desavisado vai reagir e atacá-lo, mas a imunidade à dor de Allin invariavelmente os põe a correr. Para cada amante de música que considera que GG Allin resume o significado de liberdade de expressão há outro que quer vê-lo atrás das grades.

Que é o lugar onde ele passou a maior parte dos últimos quatro anos; seu boletim da condicional dizia que ele era "uma celebridade por todos os motivos errados", e recomendava-se o tempo máximo de reclusão, mesmo que as acusações nada tinham a ver com sua carreira artística. Allin considera que tudo não passa de uma conspiração governamental, não apenas contra sua pessoa, mas contra seu potencial para o mundo artístico e político. Vai ser interessante ver o que terá ocorrido entre o momento que estou escrevendo e o momento que você estará lendo - ele terá cumprido sua pena em março de l993. Quanto tempo conseguirá viver como homem livre é um mistério. Os federais começaram a prestar atenção em Allin há alguns anos, quando ele anunciou publicamente que iria cometer suicídio no palco. Coincidentemente (?) as datas por ele escolhidas têm sido as mesmas em que ele, futuramente, estaria preso.

Como este planeta pode gerar alguém como GG Allin? Nem os seus julgadores parecem saber. E isto importa? Deveria importar? Se ele quer estourar a cabeça para uma platéia adulta, pagante, quem pode dizer que ele não pode? Quem poderá dizer que nós não podemos assistir ao suicídio? E acredite, há muitas pessoas - fãs e, especialmente inimigos - que mal podem esperar. Por outro lado, qual a chance de algum local para shows aceitar marcar uma apresentação dessas? A presença de Allin testa todas as possibilidades legais, e não seria diferente. Ele se considera um catalisador para uma revolução através do caos, na melhor das hipóteses, ou um chute na bunda da humanidade, na pior. "Eu vivo para ser odiado", ele se orgulha de dizer, e não é bravata para chamar atenção ou dinheiro: Allin não possui residência fora da prisão, vivendo de show para show, fazendo gravações com muito pouco dinheiro, e gastando qualquer trocado com álcool, drogas e prostitutas.

Ele diz que sua infância pouco tem a ver com tudo isso, que sempre se sentiu assim. Imagine: até o os dez anos de idade ele morou em uma cabana de madeira de duas peças, sem eletricidade ou água corrente, a quilômetros de coisa alguma, na florestal Northumberland, New Hampshire. Seu pai dormia por vários dias, sem permitir conversa ou acender velas após o escurecer, tapando as janelas por fora com neve. Ele também era conhecido por cavar as covas para a família no porão, amaldiçoar sua esposa, destruir as coisas de que ela gostava, e uma vez tocou fogo em sua própria cama quando ela não quis se deitar com ele. Allin desenvolveu tanto paranóia quanto egomania, e aos poucos começou a perceber o comportamento de seu pai - e também todo tipo de comportamento - como normal: "você é o que você é".

Sua mãe suportava tudo silenciosa pois era melhor que a vida com a sua própria mãe, enquanto o jovem Allin desenvolvia um feroz complexo de Édipo. O pai, a propósito, anuciou ter tido "visões" sobre o menino um pouco antes dele nascer, e batizou-o de acordo: "GG" é o fonema "je-je", um apelido dado pelo seu irmão - o nome que aparece na certidão de nascimento é Jesus Christ Allin. (Foi trocado para Kevin Michael por sua mãe pouco antes de começar a ir para a escola). Ele sempre viu nesse fato um presságio desde que compreendeu ainda criança, e agora considera seu inevitável suicídio como um sacrifício para sua causa.

Seu envolvimento com a música teve início ao redor dos dez anos, quando sua mãe fugiu com as crianças para a casa dos avós. Os garotos detestaram e pediam para voltar a morar com o pai, mas não era o que o destino queria. Mesmo que pareça clichê, é verdade: no instante em que Allin ouviu rock'n'roll no rádio de sua mãe descobriu o que queria. Começou a economizar o dinheiro da merenda para comprar discos no final da semana. Tornou-se um baterista, excelente por sinal, mas logo seus novos ídolos estavam lhe decepcionando. Apesar da fama de badboys, até os Stones seguiam certas regras, e ele prometeu a si mesmo que nunca seria assim. Seu não-conformismo acabou levando-o às aulas de educação especial. Quando foi reprovado em determinado ano, seu ódio floresceu. Em sua primeira apresentação, em um baile do colégio, ele mordeu, arrancou e destruiu a decoração do salão no meio de uma música. Os professores tentavam impedir, os alunos iam ao delírio, e assim foi.

Merle Allin logo começou a fugir dos jogos escolares para tocar com o irmão. Cada banda tornava-se mais provocativa, e o grupo em que eles tocaram no segundo grau seria excluído da região. Chamado Little Sister's Date (LSD), "encontro da irmãzinha", a fim de prestar homenagem às drogas e às garotinhas, eles se vestiam meio drag queen e tocavam os barulhos mais irritantes que podiam. Em um show, numa festa de toda a vizinhança, eles começaram a jogar um grupo contra o outro, provocando os jovens a brigarem com os mais velhos, incitando brigas no meio daquela comunidade. Allin sentia que algo grande lhe esperava. Era 1977, o punk havia chegado, e ele tocava bateria no Malpractice ("tratamento inadequado a um paciente"), que também não deixavam por menos. Eles chegaram inclusive a lançar um single. Logo após Merle mudou-se para Boston, deixando seu irmão para tocar e gravar por conta própria (já como atração principal), casar-se, divorciar-se, ser pai de uma filha, e espiroquear de vez.

Pelos próximos dez anos, Allin iria literalmente engolir qualquer substância que lhe colocassem na frente, sem ao menos perguntar o que era. Às vezes arrumaria um subemprego, sobrevivendo de manteiga de amendoim e comida para cachorro em quartos alugados, e tocando em qualquer lugar que fosse possível. Por um curto período foi suficiente, mas rapidamente ele foi tomado pelo discurso. Seus hábitos pessoais foram se tornando cada vez piores, enquanto que a música e os shows foram do esnobe ao pobre e ao assustador em pouco tempo. Pela cidade, ele sempre foi um excêntrico. As pessoas o evitavam, mas ele não se importava - era um presente, e ele assim levaria adiante. Nos primeiros anos a coisa era meio engraçada, mas as aberrações surgiam diariamente. Por volta de 1986 ele era a mais temida e desprezada figura do underground. Ele ainda é, mas um núcleo de seguidores permanecem apoiando-lhe sem hesitação.

Como ele chegou até onde está é puramente lógico: se você não tem limites pessoais ou leis, você cria seus próprios horizontes. Allin acredita apenas em si mesmo. Ele não está fazendo isso pela liberdade alheia - ele irá dizer que você é o responsável por sua liberdade. Ele sustenta que está na cadeia pelo o que ele é, e não pelo o que tenha feito. Jamais fez concessões em sua música; o fato é que seu mais recente trabalho é mais lúcido e mais furioso ainda. Apesar de ser de um gosto questionável, ele ainda costuma derrubar cada ponte que atravessa. Não é difícl de entender porque muitas pessoas ainda não ouviram falar dele. Allin, atualmente com 36 anos, parece-se com um andarilho, um mendigo. Seu discos de tiragem limitada são cada vez mais difíceis de se encontrar, seus shows geralmente só têm propaganda no boca-a-boca. Esta entrevista foi feita pelo sistema de telefone para visitas na prisão estadual de Jackson, Minesotta, em dezembro de 1992.

JOE COUGHLIN: Eu acho que a maior questão é "por quê?". Por que você, e por que o rock'n'roll?

GG ALLIN: Por que eu? Porque é minha vingança contra esta sociedade de robôs, porque alguém tem que fazê-lo. Alguém tem que ser o líder, e ninguém está sendo. Por que o rock'n'roll? Porque isto é que é rock'n'roll, isto é que presumivelmente deveria ser.

JC: Tipo receber uma c**pada em pleno palco?

GG: Fazer a coisa de sua própria maneira. O que não tem a ver com música ou qualquer coisa, necessariamente. Eu estou apenas dizendo, "faça a p**** que você tiver vontade de fazer". Você não é obrigado a obedecer a ninguém. Não me importa se você é um artista ou qualquer coisa, esta é a minha maneira, esta é minha realidade. O público está lá por minha causa. Não sou um showman ou parecido, não estou nessa para agradar alguém. Apenas a mim mesmo. O rock'n'roll deve ser destruído e reconstruído em meu nome para ser aperfeiçoado. Não tem nada a ver com pertencer a panelinhas, é para desajustados, gente que não se adapta a coisa nenhuma.

JC: Você toma laxante ou algo parecido nos shows? Você é bastante "regular".

GG: Sim. Não faço isso todas as noites, você sabe, não é nada ensaiado. Se a platéia me encher o saco, eu posso até fazer uma lavagem intestinal, mas às vezes apenas acontece. E é apenas mais uma coisa. Todo mundo se interessa por coisas sensacionais, mas na verdade ninguém entende. "GG transou em pleno palco" ou qualquer coisa, mas a coisa tem uma profundidade muito maior que isso, estou quebrando tabus e derrubando barreiras. F***-se a lei, ninguém está te obrigando a vir assistir o meu show.

JC: Então não há nenhuma camaradagem, nada de "estamos aqui reunidos esta noite..."

GG: De maneira nenhuma. Eu faço isto por mim, pois é minha missão. Se alguém gosta ou destesta, ou se alguém aparecer ou não, eu continuarei fazendo. Eu vendo meus discos na rua. Muitas vezes eu nem tenho uma banda, canto em cima de uma gravação, mas é de um jeito ou de outro.

JC: Suponhemos que não existisse algo como o rock'n'roll.

GG: Cristo, eu seria, não sei, um serial killer, sabe? Alguma coisa... eu tenho toda essa raiva dentro de mim. Vou lhe dizer, minha música sempre soou desta maneira. Eu não estava à espera de uma moda ou tendência, eu fazia por conta própria.

JC: Por quê você está na cadeia desta vez?

GG: Tecnicamente, violação da condicional. Eu não podia sair de Michigan depois da última vez que fui libertado (1991). Nós saímos em turnê, e eu fui preso em Dalton, Georgia, depois em Orlando na Flórida junto com nosso baterista, e finalmente em Houston, Texas. Em Houston eles arrumaram um papel qualquer e eu fui mandado de volta para Michigan.

JC: Preso por...?

GG: O de sempre, bebedeira e desordem, atentado ao pudor, assalto, nem sei mais. Também quebrei alguns ambulatórios, como sempre faço.

JC: Ouvi dizer que esse clube em Dalton permanece fechado por culpa de sua apresentação lá, mesmo após você ter enviado retratações legais?

GG: Eu acho que é isso mesmo, eu não sou um figura positiva. Os clubes é que fazem as retratações e desculpas, não a gente, mas damos o nosso apoio. Entre por sua conta e risco. Todos sabem o que cai acontecer.

JC: Por quê você estava na condicional?

GG:Bem, foi o lance todo em Ann Arbor (Minesotta), com uma garota chamada Leslie. O troço foi sério, e naquela época eu tinha sido condenado pelo lance no Odd Rock Café (Milwaukee, Wiscosin). Me deram 60 dias por causa disso, eu ia apelar e aí veio a história em Ann Arbor antes que eu tivesse qualquer chance.

JC: Certo, o lance no Odd Rock Café foi...

GG: Foi por eu ter tomado uma c**pada no palco. O proprietário disse que não tinha idéia do que era a minha apresentação, mas é mentira.

JC: Então em quantos estados você tem ficha atualmente?

GG: Sete, eu acho.

JC: Voltando ao caso de Ann Arbor.

GG: O que aconteceu é que estávamos tocando, certo? Aí essa vagabunda pula no meu colo, nos bastidores, tira a roupa e dança pelada no palco junto com a gente, quer dizer, estava maluca. Dizia que queria casar comigo e...

JC: Na primeira noite?

GG: No primeiro minuto! Claro, nós transamos antes. Aí eu terminei ficando com ela por um tempo, então demos uma festa realmente selvagem, que durou alguns dias, as pessoas que passavam pela rua iam entrando e tal... aí eu larguei dela, então ela decidiu me acusar de estupro, foi dar queixa e tudo. E eu tenho cartas que recebi dela, depois de já ter sido julgado, dizendo que ainda quer casar comigo. Posso te mostrar a data no carimbo dos correios. Tenho também recados dela na minha secretária eletrônica, então eu sou culpado? Os federais queriam pôr as mãos em mim porque eu escrevi para John Hinckley, então há mais coisa além disso. Fomos chamados uma semana após o suposto incidente e ela não disse uma palavra contra mim. Chegou a trocar por três vezes a acusação na polícia, disse que teria sido atirada pela janela, três caras negros fizeram isso com ela. Ela não era exatamente normal, apesar de ser estudante de direito ou coisa parecida. Além disso, ninguém vacila comigo, todos já sabem o que esperar, sério.

JC: Acho que vocês não se relacionam mais. Você realmente a estuprou?

GG: Correto, não nos falamos mais. Mas eu não fiz nada com a qual ela não estivesse 100% de acordo.

JC: Você foi abusado sexualmente quando criança?

GG: Acha que não. Se fui, apaguei da memória. Eu diria que fui abusado mentalmente. Meu pai era, tipo, um desgraçado, minha avó... mas eu não acho que teria feito diferença alguma no que eu sou. Se eu tivesse tido, tipo, uma família normal, talvez eu fosse ainda pior! (risos) Eu realmente não penso nisso.

JC: Você gostaria de falar sobre a sua outra família, sua filha?

GG: Não mesmo, quero dizer, é como voltar a essa vida dupla, eu não... eu não tenho mais contato com essas pessoas. Eu tentei ir a um analista quando eu estava casado, e foi uma piada. Eu não preciso de ajuda. Eu estou ótimo. De qualquer maneira, acho que sou proibido de ir ver a minha filha. Eu não sei...

JC: Por quê Jello Biafra e 2 Live Crew e Ice-T vencem a censura enquanto GG Allin vai em cana?

GG: São as pessoas no poder tentando delimitar e cercear, dizendo "ok, isto é aceitável, mas isto não é" e eu sou o que não é aceitável, porque eu não estou em uma grande gravadora. Em outras palavras, estão dizendo o que é o subterrâneo. Eu sou o verdadeiro underground, e eles sabem, mas não querem que você saiba sobre mim, então eles estabelecem o limite. Eles dizem "qualquer coisa pior que isto é ilegal", então ninguém irá olhar além, mas lá estou eu, eu sou o que está além do aceitável.

JC: Faz sentido.

GG: Claro, é isso mesmo. Minha canção "Mate a polícia" saiu muito antes da de Ice-T ("Matador de tiras", que, a propósito, Ice-T retirou voluntariamente de seu primeiro disco com o Body Count depois de sérias pressões legais). Sua música é chiclete comparada com a minha. Eu falo do sistema como um todo.

JC: No mesmo disco (Murder Junkies, gravado com o Anti-seen originalmente pelo New Rose) você fala de acabar com o presidente. É sério?

GG: É a idéia toda de ter esses assentos no poder. Vai além da presidência. Qualquer um que esteja em um cargo de poder, nós não precisamos dele. Nada contra este ou aquele indivíduo. Eu odeio todos. E, repetindo, se eu estivesse em uma grande gravadora... outras pessoas dizem a mesma coisa e eles não são trancafiados. Aí você tem essas bandas tipo Gwar, e as pessoas acham que isso é chocante. Não passa de uma piada. São filhinhos-de-papai universitários fantasiados e tocando rock'n'roll, e isto perdeu o significado.

JC: Voltando a falar do caso em Ann Arbor, você pegou o quê, dois anos?

GG: Quase isso.

JC: Ainda pensa em uma contra-acusação contra...?

GG: Leslie Morgan, não. Tenho coisas melhores para fazer, não tenho tempo nem dinheiro para esse tipo de coisa, de qualquer jeito, quero dizer, já passou. Boa sorte para o próximo felizardo.

JC: As pessoas geralmente fogem ou se amedrontam em seus shows.

GG: Bem, não acho que o que eu faço é ultrajante. Eu me dedico de tal maneira que me fortaleço cada dia. Posso encarar qualquer coisa. Eu nunca, nunca tive problema com algum dos espectadores. Mas as pessoas devem ser colocadas em situação de perigo. Ninguém vem aos meus shows afim de se sentir seguro e confortável. Talvez isso os influencie quando voltarem para casa, pouco me importa. Recebo aqui na cadeia 50, 60 cartas semanalmente, pessoas escrevem dizendo "você mudou a minha vida". Jóia. É a minha missão. Eu não vejo mais ninguém fazendo isso, ainda.

JC: Então não há shows "favoritos", na verdade...

GG: Não, todos são incríveis. No Cat Club em Nova Iorque, certa vez, o show ainda nem tinha começado, e eu estava no banheiro feminino tentando achar alguém para que (urinasse) na minha boca, então esta vagabunda se achava durona e tirou seu tampax, aí eu comi o troço bem na sua frente, engoli direto. Ninguém acreditava no que via. Naquela noite alguém falou "aqui é Nova Iorque, vocês não vão conseguir impressionar ninguém aqui". Referia-se ao show no Village Voice dois meses antes. Alguém atirou o corpo de um gato atropelado no palco e eu tentei (praticar sexo) com aquilo. Cada apresentação pode ser a última.

JC: Por quê você quer morrer?

GG: A morte é uma parte importante da vida. Não digo querer morrer, mas controlar o momento, escolher como você vai morrer. Como no palco, que é onde vivi minha vida. Não quero ficar velho e estagnado, zanzando por aí. Eu penso que você deve partir no seu ápice. Sua alma deve estar o mais forte possível quando parte desta para o que quer que venha a seguir.

JC: Por quê seus fãs, especialmente as fãs, são tão radicais?

GG: É incrível, eu não sei. Teve mulheres que se mudaram para a cidade onde eu estava morando, apenas juntar suas coisas e foram para lá, eu nem as conhecia, apenas souberam que eu morava lá. Doidas, submissas, algumas dessas garotas realmente fariam realmente qualquer coisa. Ainda na época dos Jabbers, eu fazia sexo por telefone com garotas de todo o país, é inacreditável! (risos) Eu transo em camarins o tempo todo, Cristo, já fui (sexo oral) no palco, tudo.

JC: Então você não acredita em relacionamentos ou coisa que o valha?

GG: Definitivamente não. Sexo é bem melhor se for praticado com alguém que você odeia, mas ainda prefiro me masturbar sobre a pessoa, independente de ou odiá-la ou não.

JC: Você disse uma vez que seu teste anti-AIDS deu negativo. É algum tipo de milagre.

GG: É, acho que sim. Eu tentei, pelo menos (risos).

JC: É difícil imaginar todos esses músicos querendo tomar parte na coisa, também.

GG: Eu tenho uma espécie de lista de espera de pessoas que querem tocar comigo. Essa minha atual banda é na verdade uma prostituta.

JC: Como se sente voltando a tocar com seu irmão? Vocês são amigos íntimos?

GG: Ele pode ter mais sucesso tocando comigo, acho que é isso. Eu não me aproximo, só às vezes. Eu uso quem posso para chegar onde quero.

JC: O Merle levanta uma boa grana vendendo vídeos dos seus shows. O que você acha disso, e o que pensa da pirataria de modo geral?

GG: É uma boa pergunta. (pausa) Para ser franco, acho que depende mais do meu humor do momento do que qualquer coisa. Muita gente vende produtos meus. Pelo menos no caso de Merle, eu sei que é de boa qualidade, por outro lado se tudo o que você conhece de mim é pelo vídeo, você não sabe nada. A tensão nos locais dos shows é algo inacreditável. Você nunca será atingido pelo sangue ou por outra coisa. Mas tenho minhas opiniões sobre a pirataria. Me incomoda muito mais quando estou lá fora, mas quando estou aqui vejo como se Merle estivesse cuidando dos negócios para mim, e melhor do que outra pessoa. No passado eu não dava bola, pensava "qualquer coisa para passar a mensagem adiante". Se alguém vem até mim e me pede permissão para filmar, e diz que vão me dar uma cópia ou sei lá, acho que é válido, mas quando vejo alguém me filmando escondido eu vou lá e quebro o troço, pois já foi usado contra mim, também.

JC: Como?

GG: Havia uma fita que alguém fez nesse lugar chamado Halfway Inn, em Ann Arbor, antes de toda a história nos tribunais e tal, e eu aparecia cheirando cocaína nos camarins. Eu não sabia, e a promotoria arrumou uma cópia e exibiu para os jurados, então é claro que agora eu tenho muito cuidado para que essas coisas não caiam em mãos erradas.

JC: E sobre gravações perdidas?

GG: Não sei se há algo perdido, na verdade, não que eu sinta pelo dinheiro ou pelas músicas, mas por que alguém também deva ganhar com isso? O que eles fizeram além de ir lá gravar? Não sei, eu tenho arrancado os equipamentos das pessoas antes de qualquer coisa, realmente depende de eu achar que sejam ou não honestos, tem de tudo.

JC: O que você acha do cara de Pittsburgh ("M. Physema" - trocadilho com "enfisema") que faz diversos fanzines sobre você?

GG: Ah, ele é legal, e na verdade ele me paga direitos, também. Ele tem ajudado a lançar discos para mim, ele colabora com a parte gráfica, telefonemas... ele é de fé, não fica rico fazendo isso. Quando fui preso em 1989 ele foi meu braço direito. Nunca o vi pessoalmente, nem sei seu nome verdadeiro. Ele é maravilhoso.

JC: Há muitos outros fanzines que também parecem não abandonar você.

GG: Tô sabendo, eu escrevi uma carta para a MaximunRockNRoll (maior fanzine dos EUA, maior que qualquer revista do Brasil) lá por '85, de uma cama de hospital no Texas, e as pessoas ficaram furiosas por eles terem publicado, as reações surgiram, e tem sido essa discussão sem fim desde então. Eles têm restringido, tipo, conteúdo político mais do que outros como o Flipside. Muita coisa eles não publicam, mas sempre publicam meu material. A princípio eles realmente me detestaram, você sabe, "Beba, lute e f***" não era exatamente bom para eles com todos aqueles garotos straight-edge como leitores, só que agora eles me respeitam... tenho visto tantas bandas surgindo e sumindo nos últimos 15 anos, é incrível. Eles aparecem tipo, "nós somos fodões" e tal, e desaparecem um ano depois, então minha longevidade prova que sou legítmo. Eles pensam tipo, "bem, acho que ele não estava mesmo brincando".

JC: Por quê você estava nesse hospital?

GG: Envenenamento no sangue e mais uma porrada de coisas, minha febre era alta. Eu costumo ter essas coisas. Foi minha primeira turnê pra valer. Alguns dos médicos não acreditavam que eu ainda estivesse de pé, tipo, "o que está lhe mantendo vivo?!".

JC: O que acontece quando alguém se machuca nos seus shows? Já te processaram?

GG: Bem, às vezes o clube é processado. Ninguém nunca chegou a me processar, mesmo. (pausa) Ninguém me processou. Uma garota no show no Covered Wagon (San Francisco - Califórnia) teve seu braço quebrado, e acho que ela processou o lugar. Parece que ela ganhou, inclusive. Tem muito disso. Acho que os clubes pagam pra ver porque nós lhes fazemos ganhar muita grana.

JC: E você recebe seu cachê?

GG: Claro, como eu disse, nós lhe avisamos o que vai acontecer, tiramos o nosso da reta. Também recebo cheques de algumas dessas empresas de discos, além disso.

JC: Você gostaria de falar de seus discos? Algum favorito?

GG: Todos são diferentes. Cada um é um retrato do que eu vivia no momento, exceto algumas coletâneas que saíram, como a fita "ROIR" ("Hated in the Nation", recentemente relançado em cd). Eu sempre acho que o último é sempre o melhor. "Freaks" ("Freaks, faggots, drunks and junkies" originalmente pela Homestead) ainda é maravilhoso. Eu estava enlouquecendo na época, tinha gente querendo me matar. Eu estava mandando cartas desaforadas para todo mundo que eu conhecia, xingando-os, minha família ia ter que pagar meu resgate. "Eat my fuc" (lançado pelo selo de Allin, Blood, mais tarde relançado em nova edição pelo Black & Blue) era jóia. A versão original, lancei, acho, 1500 cópias, e fiz todas as capas eu mesmo em um dia inteiro. Eu comprei capas totalmente brancas aí fiz o contorno do meu p** em cada uma com um pincel atômico, depois desenhei o esperma sendo ejaculado. A garota que eu estava comendo na época ficou me (fazendo sexo oral) o dia todo, aí pude mantê-lo sempre do mesmo tamanho. Mas isso já faz muito tempo, meu lance agora é muito mais político. Pessoas dizem, "ha, sim", mas é verdade.

JC: E sempre por um selo diferente.

GG: É, eu lancei por conta própria muita coisa, também. Em '88 eu estava em três selos ao mesmo tempo, mas eu tinha controle total de todo o material. Muitas vezes fui dispensado quando eles ficavam sabendo das prisões e tudo mais.

JC: Você não mantém residência fixa, mas as pessoas parecem sempre saber como encontrá-lo.

GG: Eu sempre tive uma caixa postal em algum lugar, desde minha primeira banda. Muitas vezes alguém tomava conta para mim e despachava tudo. Eu tento também mandar algo para a Maximum e para a Flipside todo mês, eles sempre deram a maior força. E Merle tem sempre seus anúncios, então podem escrever para ele. O underground é na verdade muito bem interligado, não é verdade que é difícil conseguir alguma coisa minha. Estando aqui é quando eu realmente recebo minha correspondência, caso contrário pode esquecer.

JC: Quais são os planos desta vez quando sair?

GG: Vou continuar mantendo o que eu faço, menos em alguns estados, claro. Tenho algumas gravações para fazer, turnês. Estão loucos para nos assistir na Europa, também, estou sabendo, então será um ano de dominação.

JC: Então é verdade esse seu messianismo?

GG: Eu acredito que sou o poder maior, absoluto. Estou sempre no controle. Jesus Cristo, Deus e Satã em uma pessoa só.

JC: É,mas... você está na cadeia.

GG: Isto não quer dizer nada. Minha mente é forte demais. Nunca conseguirão vencer isto. Tenho levado minha missão pelos últimos quinze anos. Gostaria de ver alguém fazer o que faço por uma semana. Por uma noite. Eles não conseguiriam agüentar a minha cabeça, o que dizer no palco. Prisão não é nada, e de qualquer maneira eu imponho o meu respeito aqui dentro. Somos todos uns párias aqui. Alguns são legais, mais do que a maioria aí fora. Acho que todos neste país deveriam passar um ano no xadrez. Obrigatório. Eles te fazem ir à escola, qual a diferença? Aqui você ainda aprende alguma coisa, como ser um criminoso mais aperfeiçoado, como o sistema funciona.

JC: Conte-me um pouco sobre o presídio e sobre seu advogado.

GG: Jackson é o maior do seu tipo no mundo, tenho certeza, tem tipo, oito ou nove setores, apenas celas em cima de celas, essas celas minúsculas, parece um zoológico humano. Meu advogado é uma m****. Eu poderia ter pego de 6 a 10 anos pelo lance em Ann Arbor, mas eu me declarei culpado em troca da menor acusação (estupro criminoso) e aí fui condenado a dois. Tínhamos a opção de apelar a sentença e tal e o advogado disse "não, pois se eu te mandar para a cadeia agora eu ganho bonificação de Natal". Ele tinha uma cota a cumprir ou algo assim. Outro lance é que este estado ganha 24 mil dólares/ano pelo primeiro ano, por cada um de nós, e cerca de 17 mil pacotes por cada ano seguinte, então a gente é um grande negócio.

JC: Voltando a falar de Cristo, você não é religioso, é?

GG: Eu acredito que você pode fazer as forças do bem e do mal trabalharem para você, para obter o quer. Já fiz missas negras que funcionaram para mim.

JC: Você aparenta aproximar-se do limite da exposição no mainstream.

GG: O Geraldo foi bom (Allin foi um dos convidados em um programa "Geraldo" que tratava de "arte versus obscenidade"). O programa de Morton Downey também teria sido legal se eu não tivesse ido em cana antes. A história do canibal de Milwaukee chamou a atenção para mim. É sensacionalismo para a mídia, geralmente, quero dizer que os tiras sempre aparecem nos meus shows, vão estar lá tipo oito camburões. Eu argumento, "Jesus, vocês não mandam todas essa viaturas para um caso de assassinato", e o tira diz, "ah, temos mortes todos os dias. Isto é muito mais interessante" .

JC: Para alguém tão... não quero dizer 'vaidoso', mas você se destrói pra valer. Não faz sentido.

GG: Eu apenas... é como se eu tivesse que fazer isso para sentir alguma coisa. E nem isso funciona, devo dizer. É como se eu estivesse no cinema e tivesse que amassar a tela. Não sinto nada. Já quebrei todos estes ossos, eu já, tipo, não tenho mais nenhum dente na boca.

JC: O que você quer que o cidadão comum saiba sobre você?

GG: Que eu estou falando sério, que eu irei preso, que eu vou morrer pelo que acredito. Mas não sei se eles vão entender. Tire toda a m**** do rock'n'roll e o que sobra sou eu. Não preciso de mais ninguém. Não tenho influências, não tenho heróis, é só eu mesmo. E vou mais além, acho que tenho feito tudo que me propus a fazer. Faço o que quero. Quantas pessoas podem dizer o mesmo?

JC: A maioria das pessoas pensa que você... bem, você sabe o que pensam, mas você sabe exatamente o que está fazendo. Você não é louco.

GG: De maneira nenhuma. Eu acho que o que eu faço é positivo, à sua maneira. Definitivamente é importante. Está quebrando barreiras para chegar ao próximo estágio. Não sou parte de alguma "cena". Isso é b****, hardcore, seja lá o que for. O que eu faço é real, lá fora é uma guerra.

JC: Alguma possibilidade de assinar com uma grande gravadora?

GG: Sem condições, quero dizer, olhe que está nas paradas. As pessoas desta época não estão preparadas para mim. Elas acham que já tiveram o suficiente... tipo, eles pensam que Guns'n'Roses é algo, tipo, perigoso. Dá um tempo. Eu vou lhe colocar em perigo.(a voz no sistema de PA da prisão Jackson avisa que os fones estão sendo desligados) Vamos ser interrompidos já, Joe. Se isso é tudo, te acho mais tarde.

JC: Acho que deveríamos mesmo. Valeu, cara.

GG: É isso aí. Nos veremos.

ATUALIZAÇÃO: GG Allin morreu de overdose de heroína nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1993. Allin sempre prometeu seus fãs que cometeria suicídio na frente deles em cima do palco. Não conseguiu realizar sua promessa. Seu óbito foi anunciado pelo The Village Voice, The New York Times, Rolling Stone, Spin, Goldmine e até mesmo por Rush Limbaugh e Howard Stern. Houve muita controvérsia sobre a quantidade de heroína que ele teria se injetado. "O funeral foi um verdadeiro circo. O cadáver usava jaqueta de couro e um boné escrito ME COMA. Ele segurava um microfone em uma das mãos e uma garrafa de Jim Beam na outra. As pessoas arrancavam a garrafa de sua mão para beber, enfiavam pílulas em sua boca, abaixavam o boné e tiravam fotos, mexiam os braços, usavam o caixão como cinzeiro, etc. Era uma festa com um defunto presente. O toca-discos executava o novo disco de GG e o diretor da condicional solicitava cópias do vídeo que estava sendo filmado. O baterista desenhava na perna de GG com um pincel atômico."
Joe Coughlin está atualmente trabalhando na biografia autorizada de GG Allin e procura por um editor. Contatos na P.O. box 153, Back Bay Annex, Boston, MA 02117.

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