A primeira conversa pega-trouxa que autoridades em geral e representantes do setor da pecuária repetem é ‘desenvolvimento sustentável’. Senão, vejamos. O Brasil ocupa a segunda posição em termos de rebanho de gado bovino, perdendo apenas para a Índia. Dados do Censo 2010 apontam 200 milhões de vacas e bois no país, sendo Corumbá, no MS, a cidade com maior população bovina - dois milhões. Já cai por terra o mito do Sítio da Vovó Donalda, onde há apenas uma vaca - com nome próprio, flor na orelha, fita na cabeça - que parece viver como um animal de estimação.
Ainda tem ingênuos que pensam a pecuária como uma atividade de manter o gado por toda a vida em bucólicos gramados, dando toda a assistência - ‘a vida que pedi a Deus’ - até que um dia ZAP!, tão rápido quanto um piscar de olhos, é feito um acerto de contas para dar de comer às legiões de esfomeados. Miseráveis esfomeados x vacas gordas usufruindo de spa em meio à natureza - eis como a coisa parece ser posta, na argumentação de alguns teimosos.
Há sempre um arame farpado separando a manada do resto da natureza. E especialmente de sua própria natureza, de correr um pouco, andar para qualquer lugar que não seja a rota do brete. Cada vez mais, é mais gado em menos espaço, em mais áreas - inclusive locais sagrados como Amazônia e Pantanal. Mas isso não conta na hora de reunir os amigos para um domingo de alegria. De outra forma, não flui.
Então temos que engolir um novo termo moldado de acordo com os novos tempos - desenvolvimento sustentável - e que parece aplacar o remorso que o cidadão comum começa a ter, ao ver as sacudidas da natureza. Lentamente, Tico e Teco vão se dando as mãos. Alguém fala que não come carne - e, estranhamente, não caiu fulminado por um doença terrível minutos depois, nem por um raio enviado dos céus. Pelo contrário, até está com exames de sangue melhorzinhos. A próstata agradece, inclusive.
Mas o termo serve pra acalmar qualquer leve desespero, tentativa de reflexão que venha a questionar o modus operandi deste nosso sistema de ruralistas fazendo crer que o desenvolvimento é para todos, sem conta bancaria própria no meio. Como se escravizar os animais para fins de lucro, com arames farpados para manter controle, seja algo que se deva agradecer. E depois os açougues distribuem a carne à legião de esfomeados, claro.
E a natureza, essa coisa amorfa que cabe no discurso de qualquer aventureiro, está se tornando quadriculada, em nome de um orgulho pela pujança de terceiros. Que, de alguma forma, incluem no pacote do progresso qualquer um que pegue uns bons cortes de carne no açougue, para o próximo domingo. De graça, claro.
Originalmente publicado em http://www.anda.jor.br/27/12/2011/natureza-quadriculada-ou-se-tem-animal-e-lucro-tem-arame-farpado.
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